O conceito “Humanização do Parto” vem se popularizando, e a exploração da mídia e redes sociais trouxe à luz questões, não apenas sobre a obstetrícia, mas a relação médico/paciente e a saúde como um todo.
Durante muito tempo a cerimônia do nascimento foi resolvida de modo caseiro com a atuação das mulheres da casa auxiliadas por uma parteira mais experiente.
No século XX os partos passaram por uma revolução quando as técnicas da cesariana avançaram de modo significativo dominando as maternidades e transformando o processo natural em um procedimento intervencionista.
Eu tinha tudo para ser parte disso, exceto por um fato que me marcou profundamente: era meu primeiro plantão na ginecologia e obstetrícia, no sexto ano da faculdade. Abri a porta do centro obstétrico e um residente me mandou ir para a sala 6 (disse que logo iria para lá) onde estava uma paciente em período expulsivo do trabalho de parto.
Fui correndo e rezando para que ele fosse rápido, porque nunca tinha “feito” um parto. Calcei as luvas, segurei na mão da parturiente e disse com calma: “vai dar tudo certo, estou aqui com você!”. Ela estava na partolândia (estado de conexão com o mundo interior quando as interferências externas parecem deixar de existir), gritando e se contorcendo de dor, quando a cabecinha do bebê começou a desprender. Em segundos ele já estava nas minhas mãos com um “choro potente de quem foi despejado do ninho” – eu o cobri, o coloquei nos braços da mãe, e ele imediatamente parou de chorar.
Entrei na medicina para fazer psiquiatria, namorei a dermatologia e a única certeza que tinha era que não faria ginecologia… até “ver” esse parto!
Sim, apenas ver e constatar a força da mulher, o milagre da vida e a importância de “estar ao lado” e cuidar!
Foi tão transformador que decidi que me especializaria em ginecologia e obstetrícia para ser a “hostess” da vida!
Me apaixonei pelo universo da maternidade e pelo mecanismo do parto. Mesmo tendo que passar noites acordada, e em incontáveis circunstâncias abrir mão da minha vida pessoal e do convívio familiar, nunca me deixei corromper pelo sistema intervencionista.
Fui fortemente influenciada pelo médico obstetra francês Frédérick Leboyer, conhecido pelo seu livro Nascer Sorrindo (Pour une naissance sans violence, 1974) – que popularizou o método Leboyer. O médico divulgou a Shantala, e também escreveu “Se me contassem o parto…”, um manual tecnico em forma de poesia (recomendo a leitura).
Práticas e procedimentos menos medicalizados, atendimento humano, respeito a individualidade, acolhimento tanto à mulher quanto ao bebê, escolha para a via de parto (seja ela normal ou cesárea) e todo seu repertório (ambiente, luz, música, aromoterapia, presença de familiares, fotógrafos e doulas) são alguns dos princípios que aplico e aprendi com Leboyer.
Abaixo compartilho o guia de práticas recomendadas para humanização do parto pela OMS, na tentativa de resgatar o protagonismo da mulher e uma boa assistência à gestação, parto e puerpério, reforçando minhas crenças e valores no exercício da medicina.
- Acompanhante durante o trabalho de parto e o nascimento: no Brasil, a lei já prevê que a parturiente tenha direito de escolher pelo menos um acompanhante durante o parto. Esse é um princípio importante do parto humanizado.
- Comunicação efetiva: a equipe médica ou os envolvidos em um parto devem informar de forma clara à parturiente todos os procedimentos que serão feitos, bem como ouvir e considerar suas escolhas. Em um parto humanizado, não se pode, por exemplo, optar por uma intervenção cirúrgica sem o consentimento e a comunicação à gestante.
- Cuidado respeitoso à mãe: esse princípio requer que, durante o parto, sejam respeitadas a dignidade, confidencialidade e privacidade da gestante.
- Técnicas de relaxamento para a dor: se a parturiente quiser, a assistência ao parto deve oferecer massagens, música e incentivar técnicas de respiração para que a dor seja menor.
- Alimentação e hidratação: durante um parto humanizado, é essencial oferecer e permitir que a parturiente se alimente e beba água.
- Respeitar a melhor posição: a mulher é a protagonista do parto, por isso, ela deve escolher a posição em que se sente mais confortável para dar a luz
- Técnicas para prevenir lesão perineal: a equipe de assistência ao parto deve oferecer técnicas que aliviam e evitam lesões do períneo, como massagens e compressas quente
- Contato pele a pele: logo após o nascimento, o bebê deve ser entregue à mãe para que tenham contato pele a pele.
- Filho e mãe juntos: o bebê e a mãe saudáveis não devem ser separados durante os primeiros dias de vida
- Amamentação logo após o nascimento: deve ser estimulado que o bebê seja amamentado pela mãe o quanto antes
O trabalho de parto normal dura em média de 12 a 14 horas e em cerca de 10 a 15% dos casos, a cesárea é a opção mais segura, e também deve ser humanizada.
“Quem quer que seja,
um pequeno ser acaba de nascer.
O pai, a mãe o contemplam
radiantes. Não há ninguém,
nem mesmo o jovem médico,
que não partilhe a alegria
geral. O mesmo sorriso cheio
de júbilo ilumina os rostos.
Todo mundo irradia
felicidade e contentamento.
Todo mundo…menos a criança”
Frédérick Leboyer
No livro “Nascer Sorrindo”